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domingo, 19 de fevereiro de 2012

Matilda lindinha.

"Desse dia em diante, todas as tardes, logo depois que a mãe saía para o bingo, Matilda ia até a biblioteca. Era uma caminhada de apenas dez minutos, e assim lhe sobravam duas horas gloriosas para ficar sentada em silêncio, sozinha, num canto tranquilo, devorando um livro atrás do outro. Depois de ler todos os livros infantis que havia na biblioteca, ela passou a percorrer as estantes, em busca de alguma outra coisa.
A sra. Fepls, que a observara fascinada durante as últimas semanas, levantou-se e foi falar com ela.
 - Posso ajudá-la, Matilda?
 - Estou pensando no que posso ler agora - Matilda disse. - Terminei todos os livros infantis.
 - Quer dizer que já viu todas as figuras?
 - Vi, mas também li os livros.
A sra. Felps olhou para Matilda lá de cima e Matilda olhou para ela lá de baixo.
 - Achei alguns muito ruins - Matilda continuou -, mas outros são ótimos. O que eu mais gostei foi O Jardim Secreto. É cheio de mistério. O mistério do quarto atrás da porta fechada e o mistério do jardim atrás do muro alto...
A sra. Felps estava pasma.
 - Quantos anos você tem, Matilda?
 - Quatro anos e três meses - respondeu a menina.
[...]
 - Tente este - disse ela, finalmente. - É muito famoso e muito bom. Se for longo demais para você, é só falar comigo, que eu procuro algum outro mais curto e um pouco mais fácil. 
 - Grandes esperanças - Matilda leu -, de Charles Dickens. Eu gostaria muito de tentar ler este.
[...]
Nas tardes que se seguiram, a sra Felps não conseguia tirar os olhos daquela garotinha, que ficava sentada horas e horas na poltrona do fundo da sala, com o livro aberto no colo. O livro era muito pesado para Matilda segurá-lo levantado. Então ela o apoiava no colo e se inclinava para a frente para conseguir ler. Era estranho ver aquela pessoinha de cabelos escuros, cujos pés nem alcançavam o chão, sentada ali, totalmente absorvida pelas maravilhosas aventuras...
[...]
A partir de então, Matilda passou a ir à biblioteca apenas uma vez por semana, para devolver os livros que terminara de ler e retirar outros. Seu pequeno quarto de dormir tornou-se sua sala de leitura. Quase todas as tardes ela se sentava para ler, frequentemente com uma caneca de chocolate quente ao seu lado. Era gostoso levar uma bebida quente para o quarto e deixá-la a seu lado enquanto lia quietinha, durante a  tarde, na casa vazia. Os livros a transportavam para mundos novos e a apresentavam a pessoas diferentes, que viviam vidas incríveis. Matilda navegou em veleiros antigos com Joseph Conrad. Foi para a África com Ernest Hemingway e para a Índia com Rudyard Kipling. Viajou pelo mundo todo, sentada em seu quartinho, numa cidadezinha inglesa."

Matilda - Roald Dahl

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Cheiros de livros.

Saborear um livro tinha muitas nuances e caminhos diferentes para ela. Adorava comprar livros novos, ainda embalados no plástico, para abri-los lentamente em sua sala, sentada no canto predileto do sofá. Tinha todo o ritual de tirá-lo da embalagem, folhear vagarosamente as folhas aleatoriamente, cheirar o livro, procurar por algum eventual erro de fabricação, e cheirar de novo. Cheirar muito o livro.

Seus livros novos, recém saídos do plástico tem cheiro de descoberta para ela. É como se o cheiro do livro a convidasse para desvendar todos os segredos e surpresas gravados em suas letras. Como se o objeto-livro quisesse ser manuseado cuidadosa e atentamente, como que desejando ouvir as risadas do leitor, como também, eventualmente depositar as lágrimas de emoção ou tristeza por ele despertadas.

Por outro lado, ao entrar num sebo comprar algo, ou mesmo ir até a biblioteca de sua vida toda emprestar algum livro, procurava sempre pelos livros mais antigos - mas tentando achar algum que não estivesse se desmanchando - aqueles de capa dura, de preferência, com as páginas já amareladas pelo tempo e pelos muitos manuseios. 

Nestes livros antigos, vindos de outras mãos e olhos, ela sentia um apego totalmente diferente. Adorava também o cheiro destes livros. Era um cheiro completamente diferente dos livros novos. O cheiro que exalava de livros antigos para ela era mais um viva todas as histórias que já passaram por aqui. Sentia que ao pegar um livro desses ela trazia para si um pouco de cada pessoa que já tinha o lido também, e isso era uma sensação que ela aprecia muito. Era como, além de conhecer a história escrita pelo autor, ela conhecesse um pouquinho cada história somada ao livro através das muitas leituras já feitas, e esta sensação era ótima.

Era bom perder-se entra pilhas de livros, novos e velhos, e apreciar as histórias e os cheiros.